quarta-feira, fevereiro 08, 2012

O poder da palavra

A notícia que está a 'bombar' nesta pequena ilha turística que é a Madeira é um exemplo de desenvolvimento infra-estrutural, na construção de túneis, pontes e vias rápidas, mas que tal aproveitamento dos fundos europeus acaba por ser um mau exemplo no que toca à repartição equilibrada, sobretudo no apoio ao desenvolvimento sustentado da economia e das empresas.
As palavras ditas por Angela Merkel, chanceler alemã numa conferência com jovens, acabou por cair que nem uma bomba na convicção que muitos madeirenses tinham que tudo o que fora feito nos últimos 25 anos - desde a adesão de Portugal à União Europeia - era vista como exemplar pelos parceiros europeus.
A verdade é que as estradas trazem desenvolvimento, mas numa perspectiva enviesada, uma vez que garantem melhor circulação de bens e pessoas, mas não de forma sustentada quando todas as 'baterias' são apontadas num alvo, a infra-estruturação. E na Madeira, quem a vê hoje e quem a conheceu há 15 e 20 anos, só pode concordar com a nova 'dama de ferro' da Europa.
Como já referi no anterior post, a Madeira devia ser vista como exemplo a seguir no que tem de experiência no âmbito do turismo e da potencialização das suas mais-valias naturais, mas também a não seguir no que de mal foi feito em termos infra-estruturais.
Há dois ou três anos, Egon e Astrid Roes, turistas alemães, foram homenageados pelo Governo da Madeira, pela sua 75.ª visita ao arquipélago. Não são caso único, aliás, é bem frequente este tipo de turistas, repetentes, amantes da Madeira a da sua beleza. Visitam, gostam, regressam, falam bem aos amigos e familiares, que também muitas vezes aceitam o 'convite'. Essa é uma mais-valia que o Turismo da Madeira tem e nem precisou fazer muito, bastou deixar a natureza fazer o seu trabalho e o saber receber das suas gentes fazer o resto.
Mas há sempre um senão. A imagem que acompanha este texto foi tirada há cerca de dois anos, numa das zonas mais turísticas do Funchal, capital da Madeira, e por sinal uma das melhor infra-estruturadas, com tudo o que o urbanismo exige em termos de canalização dos esgotos, escoamento de águas residuais e pluviais... e ao nível das estradas, tudo alcatroado, zonas ajardinadas, passeios para peões, estradas relativamente largas, iluminação, sinalização vertical e horizontal, etc, etc.
Pelo menos era o que parecia. A verdade é que no dia 20 de Fevereiro de 2010 esta zona ficou assim. E nem foi das mais afectadas do Funchal, pois não fica no centro, que foi globalmente devastada pela água das chuvas e pela 'revolta' das ribeiras.
Dizem os entendidos, geógrafos, urbanistas, arquitectos, engenheiros, ambientalistas e afins que tudo deveu-se ao excesso de construção, sobretudo a subterrânea que estrangulou muitos cursos de água que a natureza, ao longo de séculos e milénios, foi criando. É claro que há outras vozes que dizem o contrário, que são causas cíclicas.
Ou seja, a meu ver, a intervenção do homem, uma vez mais, foi o causadora de estragos inimagináveis no dia anterior... 42 mortos, oito desaparecidos, feridos às dezenas, desalojados às centenas, prejuízos materiais aos milhões de euros, e anos de desenvolvimento, cuja única sustentação foi mesmo a falsa sensação de desenvolvimento, deitados literalmente ao mar.
O que se tem assistido em Cabo Verde nos últimos anos tem sido algo muito interessante, mas muito perigoso se não acompanhado pelos exigentes e custosos estudos de impacte ambiental. Não faltam exemplos por este mundo fora de projectos sem estes estudos, que os investidores tanto detestam, os políticos fazem-se esquecidos e, no final, o povo acaba por sofrer as consequências... muitas vezes com a própria vida!
Cabo Verde pode ter muito a aprender com os erros e todos os maus exemplos. Mas se, tal como em muitos outros casos, quem tem o poder não tomar a opção certa de defender o bem público, mais tarde ou mais cedo é o povo que acaba por sofrer as consequências. E, em último caso, a economia é que retrocede anos por causa das más opções.
Voltando ao princípio, a chanceler alemã parece ter sido mal traduzida. Até foi chamada de "ignorante". O que parecia ser uma crítica à opção de construir sem olhar ao equilíbrio com o apoio ao tecido empresarial, afinal foi um exemplo dado para lembrar aos jovens, ao futuro, que por mais infra-estruturas que se criem há que olhar a todos os sectores para que o crescimento sustentável da economia seja uma realidade. E se, por um infeliz acaso (da natureza, por exemplo) algo correr mal com um sector (o turismo, por exemplo), os outros que foram acautelados e desenvolvidos ao mesmo ritmo, saberão responder e alavancar um país, uma região, uma ilha, uma cidade, uma comunidade...
É este o exemplo que o poder da palavra da 'Senhora Europa' quis ensinar, não só aos jovens alemães, como europeus, aos portugueses, madeirenses... e até cabo-verdianos, se estes quiserem aprender. Não há futuro possível sem desenvolvimento sustentável.

Francisco Cardoso

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