Almejamos neste blog colectivo revelar Cabo Verde para além do horizonte da bolha chamada “all-inclusive resorts” e debater uma proposta de turismo apoiado nas características únicas ao caboverdiano, o nosso património cultural e a diversidade ecológica do arquipélago.

Missão: Descobrir as ilhas de Cabo Verde, a sua gente, musica, dança, tradições e vivenciar a morabeza criola.

quarta-feira, fevereiro 29, 2012

O que pensa da actual visão do turismo em Cabo Verde?

O que pensa da actual visão do turismo em Cabo Verde?
Boavista, Curral Velho. Fonte: Ivan Silva

"Queremos ter um turismo sustentável e de alto valor acrescentado, que contribua efectivamente para melhorar a qualidade de vida dos caboverdeanos, sem pôr em risco os recursos para a sobrevivência das gerações futuras”

Visão do Governo - Plano Estratégico do Turismo 2010-2013

domingo, fevereiro 26, 2012

Morabeza


Morabeza
A indole cordial do homem cabo-verdiano, no vocabulário popular crioulo, é captada através do termo Morabeza, apreendido como sendo uma espécie de essência espiritual do cabo-verdiano.

Nas palavras de Leão Jesus de Pina,  a morabeza assume a feição de cordialidade e amigo, saudando de braços abertos aqueles que escolhem o Cabo Verde como terra de acolhida.

Para Gabriel Mariano esta cordialidade é devido  á mesticagem que nos teria proporcionado uma qualidade singular que advëm da nossa maneira de convivëncia social, o mestiço estaria impregnado de uma vocação de quebrar a rigidez e a agressividade dos ritos de convívio social, levando a uma "supercordialidade"- Morabeza.

Baltazar Lopes fecha o circulo :“os antagonismos não se combatem e é, por isso, com profunda harmonia que todos confraternizam e se submetem aos mecanismos de dar-e-tomar”.

quinta-feira, fevereiro 23, 2012

Alcatrazes e a morte lenta da memória colectiva


Alcatrazes, localizada na parte oriental da ilha de Santiago, apesar do estatuto de vila no século do achamento e sede da capitania do norte (Ribeira Grande era a sede da capitania do sul), por situar-se numa região agreste, pouco favorável à agro-pecuária e ao comércio marítimo, teve uma existência breve e apagada, declinando-se já na segunda metade do século seguinte ao achamento, devido ao abandono dos seus habitantes que, desde 1513, tinham começado a transferir-se, inicialmente, para Ribeira Grande e, posteriormente, para Praia - nova sede da capitania do norte.





























Em 2007, visitei pela primeira vez a localidade acompanhando um colega historiador em missão académica e revoltoso foi ter encontrado um dos patrimónios históricos do país em completa deterioração. Apesar da tentativa nos anos de 1970 do então padre responsável pela igreja, António Cachada, de restauração da mesma, na época da minha primeira visita, restavam apenas escombros da antiga igreja. Ao lado, uma nova igreja era construída ao lado da velha, dando lugar a uma aberração arquitectónica e a morte lenta da memória colectiva do lugar.

Hoje, numa total cegueira arquitectónica, alguém lembrou-se de vestir as paredes antigas de cimento. Situações do tipo mostra a falta de visão histórica, cultural e turística dos responsáveis e promotores desta terra, visto que, patrimónios desses deveriam ser preservados e transformados em espaços turísticos obrigatórios para estrangeiros e, sobretudo, nacionais.

Devemos começar a preservar o nosso património cultural e a partir de uma filosofia de turismo comunitário, reinventar circuitos turísticos alternativos ignorados pelas agências turísticas que operam por estas bandas. Penso que só assim podemos começar a inovar no sector e a falar de turismo sustentável.

sexta-feira, fevereiro 17, 2012

Que turismo para Cabo Verde? Para onde vamos?


Qual é o futuro das chamadas ilhas de vocação turistica?*

Recentemente assisti à apresentação de um destacado promotor imobiliário que no âmbito do tema "Cabo Verde, os desafios do salto" debateu sobre uma estratégia para Cabo Verde.

Segundo o mesmo promotor, Cabo Verde está localizado no corredor do atlântico por onde circulam milhões de turistas por ano, que são absorvidos pelos principais destinos como sejam o Brasil, o Caribe e até Canárias e o sul da Penisula Ibérica.

Na visão deste, o turismo em Cabo Verde é marginal e incipiente, com menos de 0,5 milhão de turistas por ano e tendo os hotéis um taxa média de ocupação de 40%.

Portanto enquanto destino turistico estamos apenas a começar e ainda não somos suficientemente competitivo para concorrer com destinos consolidados. Afirmações que contrariam a euforia em torno do turismo enquanto solução para o desenvolvimento do país.

O modelo de hotel, sol e praia onde impera o "all inclusive" é na prática o único modelo disponivel, visto que o país não está preparado para receber turistas fora dos hoteis.

E o grave nisso é que as actividades economicas que poderiam estar a abastecer os hoteis quer a nível de produtos, quer a nível de serviços, não estão preparados para fornecer com qualidade, pelo que também ficam à margem desse apetecivel mercado.

Desconheço os dados mais recentes mas já em 2008 Cabo Verde recebeu cerca 333.4 mil turistas, agora imaginem o que isso representa em termos de refeições, serviços, tours etc., caso houvesse mais participação das empresas "di tera" no fornecimento aos hotéis.

Teriam imediatamente um novo mercado, naturalmente mais exigente, mas com maior poder de compra e apetência para o consumo do que o mercado doméstico.

Não resta dúvida que aí está uma grande oportunidade para as empresas nacionais exportarem aqui dentro e isso ilustra, a meu ver, a falta de conexão existente entre a chamada industria do turísmo e as restantes actividades económicas pelo que o incremento do número de hoteis e projectos nessa área já não ilude e até assusta.

O potencial do turismo funcionar como gatilho para a promoção da actividades económicas local é uma visão antes de tudo integrada Esta é a grande deficiência estratégica central. Concentrado nos investimentos hoteleiros, grande parte todo o esforço que o estado despende em recursos promocionais acaba beneficiando em exclusivo as grandes cadeias e o modelo all-inclusive numa escala desproporcional. Repare na distribuição de dormidas por tipo de unidade hoteleira. Já quase não temos pousadas. Quando vejo pousadas como a Residencial Nazare na cidade da praia, com uma qualidade excelente lutando para sobreviver... Isso é sustentável?

A agravar-se mais ainda há uma completa falta de sintonia com a cultura e o social. De que interessa conhecer uma terra e não se cruzar culturas e vivências?

Conforme Leão Correia e Silva, Cabo Verde vive ao longo da história, ciclos de oportunidades que se fecham sem que se consigam aproveita-las para catapultar as ilhar para um novo patamar de desenvolvimento. É assim desde o povoamento.

Na actual conjuntura o turismo é sem dúvida uma dessas janelas de oportunidades, mas dado o modelo em curso, a questão é para onde vamos?

terça-feira, fevereiro 14, 2012

O Precioso e o Cheque em Branco.

O Precioso. Créditos: Miguel Monteiro



Esse é o Precioso! O meu irmão fez essa foto na Boavista e quando eu vi, lembrei-me logo das minhas férias de infância na Boavista. Lembrei-me de episódios únicos como assistir a luta das tartaruginhas a furar a casca e a atitude de empreendedora  de pular e contornar obstáculos rumo ao mar. É como se obedecem a um game plan definido no ciclo da vida que garante a sobrevivência da especie e contribui para o equilíbrio dessa biodiversidade. 

Infelizmente tem muita gente de olho no Precioso e apesar de uma maior protecção legal e institucional as ameaças à protecção desta espécie está a cada dia mais ameaçada. Tudo bem o Precioso tem um monte de inimigos dentro de água mas com esses a tartaruga usa a carapaça para se defender e à medida que vai crescendo nem os tubarões metem medo. Se fosse esse o problema estava tudo equilibrado e em harmonia.

O problema do Precioso é nosso também. Estamos todos expostos à sorte ao azar e à oportunidade de quem for o mais esperto a lançar mão aos nossos recursos para enriquecimento exclusivo. Enquanto os operadores nacionais são deixados à margem há investidores internacionais a aproveitarem-se do "abre pé" para se instalarem da maneira que melhor lhes convém. Além da construção de hotéis em zona privilegiada (no meio das dunas, em cima das praias) ainda beneficiam-se das condições extraordinárias de atracção do investimento externo. 
Google Earth View - Costa Sul da Boavista. Na linha da praia ao centro está o III RIU  Touareg da Boavista

Recentemente o Ministro do Turismo admitiu em entrevista à RTC que o Ministério ainda não tem um plano de acção. Esse navegar sem bússola é uma irresponsabilidade e evidencia uma visão reducionista do potencial de Cabo Verde enquanto destino turístico. As facilidades concedidas orientam-se para a realização de liquidez financeira a curto prazo e hipotecam permanentemente o desenvolvimento equilibrado dos recursos naturais, alienam o potencial da economia local e o seu entorno socio-cultural.  


Pior para nós é que, ao contrário do Governo, os investidores parecem ter um game plan. O hotel da imagem acima é o RIU TOUAREG que foi concluído à um ano. O 3o da Boavista e o 5o de Cabo Verde. Localizado mesmo em cima da Praia de Lacacão que é considerado um dos santuários de nidificação da espécie carreta-carreta. É também um ecosistema riquíssimo constituído pelas praias mais extensas de Cabo Verde onde se incluí a praia de Curral Velho e Santa Mónica.

Alguém que explique o porquê tanta exclusividade?

Claro que já há muitas vozes a se levantarem para fazer frente à problemática do turismo e há muito mais conscientização para as questões de impacto ambiental. Mas enquanto sociedade, os caboverdianos não tem sabido fazer frente a essas questões, estamos mudos. Desse modo o esforço de ONG's como o Natura 2000 para monitorar e desenvolver iniciativas que minimizem o impacto da actividade turística no ambiente ficam cada vez mais pressionados e isolados na sua acção.

Fatalmente estamos a perder terreno. Acabou de ser anunciado aqui que o RIU, Resorts & Hotels assinou um contrato com o Natura 2000 e passa a ser o único representante legal do projecto no país respondendo por todas as questões ambientais, negociando com o Governo e outras entidades ou fundações. 

O acordo prevé em troca uma contribuição anual ao Natura 2000 que continuará a fazer estudos e as auditórias em relação à protecção ambiental especificamente relacionadas ao trabalho que se tem feito com as tartarugas. A RIU, Resorts & Hotels se propõe a envolver-se activamente na protecção ambiental. Deixo as contrapartidas para vossa interpretação. 

"RIU guests will also have the opportunity to participate actively in environmental protection activities. Once a week, the hotels’ theatres will show a documentary on biodiversity in Boavista, while their entertainment department will organise educational games for children, and also turtle outings and releases for all guests. In addition to this, all guests will receive information on the activities of Natura 2000 who organise voluntary programmes and different initiatives throughout the year, which can involve visitors as well as the local population."

Comparado com o valor do trabalho da ONG que trabalha à 12 anos na protecção da espécie, essas contrapartidas são ridículas e vão criar mais espaço de manobra ao investidor para continuar a usufruir em exclusivo da terra dos nossos avós. De outro modo se de facto há essa consciência ecológica a RIU não precisa ser dono do PROJECTO NATURA 2000 mas antes devem assumir verdadeiramente a responsabilidade social. Ex.: Segundo relatado por jornalistas no terreno o lixo acumulado pela dinâmica dos 16 vôos semanais que chegam à ilha amontoam-se numa extensão de 5km e já é considerado a maior lixeira de Cabo Verde. Isso a escassos quilómetros do Resort.

Assim não nos iludamos. O acordo com o NATURA 2000 é antes um duro golpe. Um cheque em branco. Contrata um dos principais parceiros na área ambiental do país e depois de 5 resorts almeja agora é dar o cheque mate e invadir definitivamente o ninho do Precioso. Desculpa mas não tem preço.

"Ta flado ma na tera di segu, kololo e Rei ma guentis Turismo Sustentável é precioso dimas pa nu dexa bai!

sábado, fevereiro 11, 2012

Que políticas de juventude em Cabo Verde?


Sendo que a grande maioria da população de Cabo Verde é constituída por jovens, fácil será depreender-se que:

Se há uma elevada taxa de desemprego, os jovens deverão ser os mais afectados;
Se há vários grupos musicais, noites caboverdeanas, novas vozes a despontar, muitos deles deverão ser jovens;
Se há um novo fenómeno de violência – gangs e thugs – muitos dos seus constituintes deverão ser jovens;
Se existem grupos de dança, de teatro, artistas com talento, muitos deles deverão ser jovens;
A existirem poetas, escritores, artista plástico e artistas nas mais variadas áreas, provavelmente muitos deles serão jovens.

Fácil de encontrar uma relação, não? Talvez para ti, talvez para mim. Talvez. Mas vamos então assumir que a grande massa artística de Cabo Verde é constituída, grosso modo, por jovens. Vamos assumir que a juventude com arte está dedicando horas da sua inspiração (graças, muitas vezes, à falta de ocupação) a escrever versos que te farão suspirar, contos que te farão viajar e a pintar quadros de rara beleza. Essa mesma juventude está agora a esculpir obras de se admirar mas também está dedicando horas da sua inspiração memorizando textos porque você quer mais e melhor teatro, afinando a voz e a guitarra porque você exige boa música ao jantar.

Com tantos jovens que andam pela rua com um instrumento musical às costas, outros com os cadernos cheios de versos e personagens ou outros a caminho de casa (as vezes de madrugada) depois de mais um ensaio, constate-se que, se não pela arte, tanto esforço só pode dever-se aos incentivos. Sim, porque somente pelos incentivos é que compreende-se que um jovem poeta ou escritor dispensa horas dando vida a personagens e a sentimentos que verá brevemente publicado em livro. Ou que um jovem pintor pinte quadros, paredes, papéis ou outra coisa qualquer que encontrar na certeza de ver seu trabalho exposto e reconhecido. Somente pelo incentivo é que um jovem dançarino treina novos passos ou que um jovem músico toca até sentir cãibras nos dedos.

Porque, não se iluda, há uma competição secreta e feroz entre os jovens artistas para ver quem consegue ficar com incentivo. Bem, talvez não é a competição que é secreta mas sim o próprio incentivo. É tão secreta que não se fala nem se escreve sobre ela. De tão secreta que ela é, diz-se que não existe. Pronto! Revelei-vos um segredo: de que ela não existe. A competição, não o incentivo.

O que é que se entende por Cultura em Cabo Verde? Que evento cultural juvenil recebe o incentivo? Que evento cultural juvenil? Cabo Verde precisa com urgência de uma política cultural juvenil. A Cultura é uma das poucas áreas em que o trabalho está quase todo feito. O jovem artista já tem a sua obra quase pronta. O jovem artista é uma obra. Só precisa do incentivo para expô-la. Pois sim, poderiam argumentar, o incentivo é usado pelo Carnaval para premiar figurantes com o melhor andrajo. Também, o incentivo é usado nos Festivais de Música em grupos que durante a sua estadia não fazem uma única troca de experiência com os jovens artistas.

O segredo foi revelado. O incentivo existe. Agora o próximo passo é usá-lo em benefício da grande massa da população de Cabo Verde: os jovens. Porque faz-se necessário usar o incentivo em áreas culturais como:


Literatura e Música, Artes Plásticas e Teatro, etc. e tal.

Criar condições para que, após concurso, os jovens artistas possam ver seus trabalhos tornados públicos. Que seja em uma obra conjunta. Um jovem poeta ficará imensamente mais feliz de ver um único poema seu publicado do que todos eles somente no seu caderno de rascunho. Idem aspas para um jovem músico. Com uma política cultural juvenil definida para uma publicação por ano, teríamos quatro obras disponíveis no mercado nacional em quatro anos e muitos jovens artistas felizes.

Desenvolver políticas de valorização do artista para evitar que um jovem pintor tenha que vender seus quadros para poder comprar tintas e pincéis para pintar novo quadro. Outro ciclo vicioso a ser quebrado é o do jovem talentoso que não consegue fazer uma exposição por não ser conhecido e não ser reconhecido por não fazer exibições. Novamente, um jovem artista irá preferir expor em conjunto do que ter todos os seus quadros encostados numa parede da casa.

Nota-se que hoje em dia a cultura que não é comercializável não é incentivada. Não se pode negar o peso nos roteiros turísticos dos Festivais mas também não pode-se esquecer que originalmente essas manifestações culturais não foram projectadas a pensar no turista, mas que conseguiram ganhar este peso e estatuto ao longo dos tempos. Foram precisos muitos anos de árduo trabalho para se chegar a esse estágio. É esse mesmo empenho que é necessário para projectar e impulsionar a criação artística na nossa juventude.

Com uma política de juventude e cultura séria e credível será possível a médio prazo, apresentar ao público, jovens artistas de qualidade nas mais diversas áreas. E se com isso conseguirmos ter turistas a visitar galerias de arte, a assistir teatro e a comprar livros e álbuns musicais, tanto melhor. A Cultura e a Juventude agradecem.

Publicada (também) no Jornal NhaTerra Online 
Publicada (também) na Revista Buala Cultura Contemporânea Africana



Odair Varela é jornalista no jornal A NAÇÃO em Cabo Verde (na ilha de São Vicente) e também autor do blog: daivarela.blogspot.com 

quarta-feira, fevereiro 08, 2012

O poder da palavra

A notícia que está a 'bombar' nesta pequena ilha turística que é a Madeira é um exemplo de desenvolvimento infra-estrutural, na construção de túneis, pontes e vias rápidas, mas que tal aproveitamento dos fundos europeus acaba por ser um mau exemplo no que toca à repartição equilibrada, sobretudo no apoio ao desenvolvimento sustentado da economia e das empresas.
As palavras ditas por Angela Merkel, chanceler alemã numa conferência com jovens, acabou por cair que nem uma bomba na convicção que muitos madeirenses tinham que tudo o que fora feito nos últimos 25 anos - desde a adesão de Portugal à União Europeia - era vista como exemplar pelos parceiros europeus.
A verdade é que as estradas trazem desenvolvimento, mas numa perspectiva enviesada, uma vez que garantem melhor circulação de bens e pessoas, mas não de forma sustentada quando todas as 'baterias' são apontadas num alvo, a infra-estruturação. E na Madeira, quem a vê hoje e quem a conheceu há 15 e 20 anos, só pode concordar com a nova 'dama de ferro' da Europa.
Como já referi no anterior post, a Madeira devia ser vista como exemplo a seguir no que tem de experiência no âmbito do turismo e da potencialização das suas mais-valias naturais, mas também a não seguir no que de mal foi feito em termos infra-estruturais.
Há dois ou três anos, Egon e Astrid Roes, turistas alemães, foram homenageados pelo Governo da Madeira, pela sua 75.ª visita ao arquipélago. Não são caso único, aliás, é bem frequente este tipo de turistas, repetentes, amantes da Madeira a da sua beleza. Visitam, gostam, regressam, falam bem aos amigos e familiares, que também muitas vezes aceitam o 'convite'. Essa é uma mais-valia que o Turismo da Madeira tem e nem precisou fazer muito, bastou deixar a natureza fazer o seu trabalho e o saber receber das suas gentes fazer o resto.
Mas há sempre um senão. A imagem que acompanha este texto foi tirada há cerca de dois anos, numa das zonas mais turísticas do Funchal, capital da Madeira, e por sinal uma das melhor infra-estruturadas, com tudo o que o urbanismo exige em termos de canalização dos esgotos, escoamento de águas residuais e pluviais... e ao nível das estradas, tudo alcatroado, zonas ajardinadas, passeios para peões, estradas relativamente largas, iluminação, sinalização vertical e horizontal, etc, etc.
Pelo menos era o que parecia. A verdade é que no dia 20 de Fevereiro de 2010 esta zona ficou assim. E nem foi das mais afectadas do Funchal, pois não fica no centro, que foi globalmente devastada pela água das chuvas e pela 'revolta' das ribeiras.
Dizem os entendidos, geógrafos, urbanistas, arquitectos, engenheiros, ambientalistas e afins que tudo deveu-se ao excesso de construção, sobretudo a subterrânea que estrangulou muitos cursos de água que a natureza, ao longo de séculos e milénios, foi criando. É claro que há outras vozes que dizem o contrário, que são causas cíclicas.
Ou seja, a meu ver, a intervenção do homem, uma vez mais, foi o causadora de estragos inimagináveis no dia anterior... 42 mortos, oito desaparecidos, feridos às dezenas, desalojados às centenas, prejuízos materiais aos milhões de euros, e anos de desenvolvimento, cuja única sustentação foi mesmo a falsa sensação de desenvolvimento, deitados literalmente ao mar.
O que se tem assistido em Cabo Verde nos últimos anos tem sido algo muito interessante, mas muito perigoso se não acompanhado pelos exigentes e custosos estudos de impacte ambiental. Não faltam exemplos por este mundo fora de projectos sem estes estudos, que os investidores tanto detestam, os políticos fazem-se esquecidos e, no final, o povo acaba por sofrer as consequências... muitas vezes com a própria vida!
Cabo Verde pode ter muito a aprender com os erros e todos os maus exemplos. Mas se, tal como em muitos outros casos, quem tem o poder não tomar a opção certa de defender o bem público, mais tarde ou mais cedo é o povo que acaba por sofrer as consequências. E, em último caso, a economia é que retrocede anos por causa das más opções.
Voltando ao princípio, a chanceler alemã parece ter sido mal traduzida. Até foi chamada de "ignorante". O que parecia ser uma crítica à opção de construir sem olhar ao equilíbrio com o apoio ao tecido empresarial, afinal foi um exemplo dado para lembrar aos jovens, ao futuro, que por mais infra-estruturas que se criem há que olhar a todos os sectores para que o crescimento sustentável da economia seja uma realidade. E se, por um infeliz acaso (da natureza, por exemplo) algo correr mal com um sector (o turismo, por exemplo), os outros que foram acautelados e desenvolvidos ao mesmo ritmo, saberão responder e alavancar um país, uma região, uma ilha, uma cidade, uma comunidade...
É este o exemplo que o poder da palavra da 'Senhora Europa' quis ensinar, não só aos jovens alemães, como europeus, aos portugueses, madeirenses... e até cabo-verdianos, se estes quiserem aprender. Não há futuro possível sem desenvolvimento sustentável.

Francisco Cardoso

sexta-feira, janeiro 27, 2012

Porto Grande terá terminal de Cruzeiros em 2014



O Governo Holandês promete financiar 35% do novo terminal de cruzeiros a fundo perdido e a Enapor busca parceiros estrangeiros para financiar os restantes 65% do orçamento de 30 milhões de Euros.

Sabendo do impacto global dessa infrastrutura no desenvolvimento do turismo de São Vicente e de toda a região norte não será esta também uma oportunidade de envolver privados nacionais e integrar uma estratégia conjunta para financiar, construir e explorar?

A perspectiva do terminal num momento em que se prevê um aumento do número de cruzeiros é animadora mas convém tirar o máximo partido das potencialidades inclusive a do desenvolvimento do turismo interno.

Fonte: Jornal da Noite da TCV de 24 Jan 2012

terça-feira, janeiro 24, 2012

Dicionário Histórico de Cabo Verde - 4a Ed.

"Although Cape Verde is an open society and there are no longer manysecrets about how it is run, and while large numbers of tourists now visitit quite happily, relatively little is known about it abroad. Facts and figures are lacking, including fairly basic ones. Its long and often tragic history is inadequately explored and explained. And its culture, which has attracted attention worldwide, could still benefit from deeper understanding. Since 1979, the Historical Dictionary of the Republic of Cape Verde and its successors have been filling this gap."

Mayra Andrade

Q&A with The Economist - Jan 23rd 2012, 13:28 by D.H. | NEW YORK

Duas frases marcantes da entrevista da artista:

"I don’t think I really chose music—instead, music chose me. From the moment I was born, I felt like I was surrounded by the sounds of the famous Cape Verdean singers like Bana, and Brazilian musicians such as Caetano and Milton Nascimiento. I was being seduced by this acoustic sound, and I just couldn’t ignore it."

"I really don’t like to expose my private life. But at the same time I really want to invite people to be a part of my life—to understand who I am through my voice. It’s almost like when you’ve become so close with someone that you understand them without them having to say a word. In this business, when you pour your soul into your music, you feel very exposed. It’s like you aren’t allowed to make mistakes—either they love you or hate you. This type of intimacy can be very frightening. We’ll see where my musical journey takes me, and see how willing people are to accept what I’m giving them. But I think it’s important that the world accepts African musicians for who they really are." 

read more at The Economist


segunda-feira, janeiro 23, 2012

Uma verdadeira ponte precisa-se!

Turismo enquanto força motora do desenvolvimento ou enquanto divisor de águas?

Quando se fala na sustentabilidade do turismo recordo-me da afirmação de um especialista de que a actividade, no seu todo, tem de beneficiar o visitante e o residente. O desiquilibrio nas condições de oferta exclusivas para beneficio do visitante compromete o potencial do destino. A busca de um honesto equilíbrio na oferta turistica que tenha em conta a realidade da economia local, os valores culturais e os recursos ambientais é fundamental para a integração do turismo com a economia real.

Em Cabo Verde, apesar do discurso político de "estarmos a caminhar para a sustentabilidade", vivemos a dicotomia e a coexistência em paralelo da economia do turismo e da economia local. Apesar do peso do turismo no PIB o modelo "all-inclusive" é o grande motor que movimenta cerca de 300.000 turistas anuais e a meta do governo é incrementar esses números e atingir os 500.000 turistas nos próximos 2 anos. Contudo para a economia local esses números pouca diferença fazem. O all-inclusive é também all-exclusive em relação à realidade local e nesse caminho não se perspectiva nenhuma forma de integração das peças que fazem movimentar a economia local com o turismo.

Neste cenário todo o ganho deste modelo de oferta turística está no "cash" que se gera a curto prazo descurando todo e qualquer malefício presente ou futuro. Enquanto isso o desemprego, a pobreza, as perturbações sociais, a criminalidade, a degradação ambiental e o agravamento dos velhos problemas relacionados à insularidade avolumam-se e agravam-se com a falta de uma estratégia integrada de desenvolvimento.

É fundamental reverter esse cenário. A actividade turística é de tal forma transversal que afecta toda a actividade económica: da agricultura aos serviços toda a sociedade pode se beneficiar de uma verdadeira integração dos recursos da oferta turística. Pelas especificidades e diversidade da procura turística este sector  pode funcionar como o gatilho para o desenvolvimento. Se verdadeiramente houver uma aposta numa visão de desenvolvimento que tenha o turismo como ancora poderemos atacar os problemas do país de forma estratégica e integrada com o esforço que cada profissional exerce na labuta diária. Cada sector de actividade, cada empresa, cada estudante, cada familia e cada caboverdiano esclarecidos quanto a um propósito comum. Para além da remuneração directa o recém graduado em hotelaria precisa compreender o sentido do atendimento e como o sua boa prestação reflecte-se no sucesso do destino Cabo Verde. Essa busca pela qualidade passa por um sentido de missão e alinhamento de esforços.

Mas para começar essa prática requer um discurso ético. O estado enquanto promotor tem de assumir o discurso da sustentabilidade na prática. Discursos e planos sobre a sustentabilidade não estão reflectidos na prática e nem estamos para aí a caminhar se as condições que se tem criado beneficiam primeiro e unicamente o modelo all-inclusive descurando-se as necessidades locais.

Para além das insuperáveis condições de atracção do investimento externo, quando o governo investe na promoção do destino Cabo Verde, disponibilizando orçamentos para publicidade e outros recursos de comunicação está a beneficiar directamente os grandes operadores que já tem montado uma cadeia de atracção de turistas dos mercados de massa para os grandes resorts no Sal e na Boavista. Nessas condições como o privado nacional pode competir? 

De outro modo o enfoque na sustantabilidade está baseado em standards internacionais definidos por entidades que certificam a qualidade de um destino. A certificação abre caminho para mercados turísticos muito especificos. Certamente mais exigentes quanto à qualidade do destino, mas mais diversificados, interessados na qualidade de vida da população local e com elevado poder de compra. É o turismo responsável conhecido também como o turismo ecológico. 

Em Cabo Verde, pelas especificidades das ilhas a actividade económica, qualquer que ela seja, tem de ser profundamente responsável. O modelo all-inclusive pode coexistir com outras formas mais sustentáveis de oferta turistica mas tem de assumir a responsabilidade social. A implantação dos mega resorts na Boavista e os planos para a instalação de mais hoteis tendo em vista unicamente os números é a evidência da política real que existente no país. Consequentemente os problemas do país continuam a avolumar-se, os esforços multiplicam-se mas soluções parecem andar a passo de tartaruga ou de acordo com a politica neo-liberal a aguardar que a "mão-invisível" funcione.

terça-feira, janeiro 10, 2012

O turismo sustentável pode irradicar a pobreza em Cabo Verde?

No ano de 2000 as Nações Unidas(NU) identificou a pobreza como um dos maiores desafios mundiais e fixou como um dos objectivos do desenvolvimento do milénio a erradicação da pobreza extrema, acabando com a fome e a miséria no mundo. A Organização Mundial do Turismo (OMT), respondeu a esse apelo das NU e lançou o programa ST-EP em 2004, com o objectivo principal de apoiar projectos de desenvolvimento sustentável, provando que através da implementação do turismo sustentável é possível aliviar a pobreza e melhorar a qualidade de vida das populações locais que recebem os turistas. O turismo, é hoje, um fenómeno sócio-económico, provocando impactos positivos e negativos nas zonas que acolhe os turistas. Entre os aspectos positivos do turismo destacamos a criação de emprego tanto directo como indirecto, a geração de renda, especialmente, em países pobres e em desenvolvimento. É importante notar que a força do turismo tem maior impacto na economia dos países em desenvolvimento do que nos desenvolvidos. Perante o contexto internacional poderemos constatar que o sector do turismo foi um do menos afectado pela crise. O Governo de Cabo Verde considere a pobreza como um tema da agenda política e um discurso em que a oposição e o Governo sempre estarão de acordo, além de reunir a vantagem de favorecer a globalização da solidariedade internacional. Segundo o Recenseamento Geral da População e Habitação de 2010, estimava em Cabo Verde uma taxa de pobreza que rondava os 24% da população e uma taxa de desemprego de 10.7%. Sendo o sector turístico um dos principais pilares de desenvolvimento do país, a criação de um programa de turismo sustentável próximo das populações locais será capaz de reduzir a pobreza. A posição do Banco Mundial sobre o turismo e a luta contra a pobreza, é a de que, as suas acções devem se basear, essencialmente, na parceria entre o sector público e o privado, com ênfase no estímulo ao empreendedorismo e ao apoio efectivo a pequenas e micro empresas, uma vez que elas predominam no mercado do sector de turismo. Com certeza, o turismo pode ser um dos caminhos para proporcionar o alcance das metas estabelecidas pelo Governo em programas de natureza social. O segmento do ecoturismo, turismo de natureza, turismo rural, turismo cultural, talvez sejam os mais ricos em possibilidades, isso porque, além de preservar áreas ecologicamente sensíveis e patrimónios naturais, promove o turismo sustentável e a capacidade institucional para fortalecer as comunidades locais e rurais, provocando, consequentemente, a redução das desigualdades sociais. O projecto Porto Madeira, promovido pela ONG Intercultural ABIDJAN é um exemplo de empreendimentos com inserções da população local em programas de ecoturismo e turismo cultural com benefícios diversos sob os aspectos educacionais, cultural e do meio ambiente, exercendo grande impacto social e económico na localidade. Porto Madeira é uma localidade do Município de Santa Cruz, situado a cerca de 20 minutos da Cidade da Praia e a 15 minutos de Pedra Badejo, na encosta do Monte Bidela, uma das principais elevações da Ilha de Santiago. O desenvolvimento de programas, projectos e acções para impulsionar os segmentos do ecoturismo, do turismo rural, turismo activo, turismo de natureza, do turismo de eventos, de negócios e cultural, certamente resultará em efeitos multiplicadores positivos nos negócios que movimentam as redes hoteleiras e de bares e restaurantes, as empresas aéreas, rodoviárias e marítimas, as operadoras de turismo e de comércio de artesanato, com reflexos imediatos na distribuição de renda da população, contribuindo, assim, com a redução do nível de pobreza da população caboverdiana. É preciso um planeamento orientado para um turismo sustentado, assente na equidade social e respeito ao meio ambiente. Planear é um factor importante para que qualquer projecto possa atingir os seus fins. Fazer uma análise cuidada da capacidade de carga da área é fundamental para evitar a exploração desenfreada da zona e a potencial distribuição dos recursos. Planear a longo prazo dá uma noção maior dos proveitos a obter. O desenvolvimento sustentável do turismo oferece oportunidade para uma relação saudável entre o visitante e o receptor. Ludmila Fortes

Perdas e Ganhos numa viagem oceânica

Em toda a viagem existem descobertas, encontros e desencontros. Algumas experiëncias podem ser vividas como uma perda e outras nem tanto. Do que foi vivido enquanto perda, de minha parte, posso dizer tratar-se do sucessivo e natural desencantamento que viver evoca. Uma porçào de crenças, um tanto de esperança, parte da ilusäo e da fé perdem suas certezas! Algumas perdas näo poderào ser reconquistadas! Existem aquelas que se acreditavam perdidas e no entanto estavam là.

Nos abraços familiares, nos sorrisos amigos, na mùsica e na morabeza do povo caboverdiano, meu povo, a certeza de uma experiëncia inesquecìvel.

Viajando com crianças, como foi o meu caso, tive a oportunidade de desfrutar de um olhar àvido por aquilo que um dia também olhei com encantamento. Como nada é perfeito, mesmo com a falta de àgua ou de luz, certos momentos que na sua rotina sào penosos tornam-se verdadeiras aventuras, aonde o valor da mesma é a descoberta de que o que abunda em um paìs, escasseia em outro.

Entre as dunas das ilhas razas e a terra das ilhas rochosas escutei dizer que tudo havia mudado, que o paìs crescera e que a violéncia fizera com que seus habitantes se armassem, passando a viver em verdadeiras fortalezas de desconfiança.

Um pouco reconheço ter-me deixado contagiar pelo medo do outro, mas quando pude perdé-lo encontrei o que nào sabia existisse. Consegui escutar, deslumbrada, a història do pescador que sai ao oceano no calar da noite, sem nunca ter saìdo de sua aldeia; a luta brava da jovem màe que trabalha, estuda e cria seu filho com a força de seus braços na herculana tarefa da sobrevivëncia; aos meus ouvidos também näo passou despercebido, neste canto do mundo, o relato da senhorinha que prepara doce de calabaceira para o deleite dos afortunados, sem cobrar um tostäo; quem conseguiria esquecer o relato de uma criança que, com profunda tristeza, porém sem chorar nem pedir nada compartilha em poucas palavras a història de uma breve mas intensa vida de maus tratos? Tudo ao som da mùsica que embala marcando o compasso dessas ilhas.

Em cada uma dessas històrias pude, assim, descobrir uma força que näo tem nome e, se tentarmos nomeà-la, ela jà näo seria mais a mesma, pois näo està nas palavras e sim nas entrelinhas daquele que lë nào somente com os olhos.


Suzana Duarte Santos Mallard

segunda-feira, janeiro 09, 2012

Exemplos a (não) seguir

Quando somos meninos, os nossos pais têm a obrigação de nos fazer ver e mostrar que há formas de vida e de vivência que não são exemplos a seguir por ninguém. Também devem nos ensinar quais os bons exemplos. Assim se faz uma boa educação parental, entre outros ensinamentos, para que em adultos sejamos pessoas bem formadas e de valores.
Esta ideia moralizadora vem a propósito do que Cabo Verde e as entidades que supervisionam o investimento externo, sobretudo na área do Turismo, podem aprender com os maus exemplos que proliferam por esse mundo fora no que toca a um desenvolvimento sustentável deste sector tão crucial como frágil para o futuro do nosso País. Há por esse mundo fora muitos exemplos, maus exemplos, e até bons exemplos de recuperação, após más políticas do passado.
O exemplo que nos pode ensinar vem de ilhas, bem mais avançadas nesta indústria do Turismo, aliás com várias décadas de experiência e bem perto de nós. O caso do arquipélago da Madeira, as duas ilhas habitadas (Madeira e Porto Santo) e os dois grupos de pequenas ilhas, denominadas Desertas e Selvagens.
Os bons exemplos que as autoridades madeirenses deram no passado já têm ‘barbas’ e estão bem cimentadas, nomeadamente na protecção dos frágeis ecossistemas das Ilhas Desertas e das Ilhas Selvagens. São raros os visitantes, há sempre vigilantes da natureza ali posicionados e a monitorização das espécies endémicas é constante. São autênticos santuários naturais, desde sempre alvo de cobiça, até hoje a salvo a muito custo.
Também nas duas ilhas habitadas trabalha-se muito na tentativa de deixar ao máximo algum território fora do alcance da civilização. Mas, como é óbvio, torna-se muito mais difícil, sobretudo porque o Turismo é a principal fonte de receita de um arquipélago que pouco mais tem a oferecer aos visitantes que a sua beleza natural.
A verdade é que para beneficiar do Turismo é preciso investir em infra-estruturas rodoviárias, portuárias e aeronáuticas, é preciso depois erigir unidades de turismo para receber condignamente os visitantes e se forem em grande número, mais unidades e cada vez maiores serão necessárias para os albergar. Aí é que reside o erro de muitos políticos e políticas (ou falta delas) de desenvolvimento sustentável.
Em muitos territórios, de facto, não faltam exemplos muito maus, dramáticos hoje, trágicos para o futuro. Constrói-se com expectativas demasiado altas, o dinheiro abunda quando é preciso construir em grande e, muitas vezes, fecha-se os olhos aos estudos de impacte ambiental.
Ora, olhando o exemplo da Madeira e do Porto Santo, em 2008, ano em que o Turismo ainda estava em crescendo de optimismo e os investimentos continuavam em grande, havia 331 empreendimentos, esperava-se alcançar as 32.869 camas (quase mais 3 mil que em 2007) e bem perto de alcançar o ‘limite’ previsto no Plano de Ordenamento Turístico (POT) de 35 mil camas em toda o arquipélago. Um sector que, na altura e ainda hoje, representava 20 a 40 por cento do Produto Interno Bruto da Madeira e dava trabalho directo a 15 por cento dos madeirenses, cerca de 6.618 funcionários.
Passaram-se três anos e tudo mudou, há obras paradas, há novos hotéis à espera de ‘bons ventos’ e outros que deveriam ser remodelados e estão fechados, as receitas baixam, o número de turistas também, gastos e tempo de estadia idem, as empresas que estão à volta deste sector passam um mau bocado e, pior, os trabalhadores começam a sentir na pele o problema, com salários em atraso e desemprego. E tudo isto porquê?
Porque planeou-se e executou-se, mas como se diz no ditado popular houve “mais olhos que barriga”. A Madeira tem uma imagem de “natureza, clima, beleza, cultura, segurança e hospitalidade”. Mesmo assim, os factores externos e internos motivam a um repensar e reformular dos objectivos.
Resta dizer que, estando Cabo Verde ainda com uma indústria do Turismo a crescer, com as massas cada vez mais interessadas, dever-se-á olhar para os outros e não “ir com muita sede ao pote”. Enquanto é tempo de aprender e não errar.

Francisco Cardoso

Pescador ou Legislador: Quem tem menos consciência ambiental?

O ambiente caboverdeano e sua biodiversidade é uma área transversal em todos os projectos de desenvolvimento de Cabo Verde mas, infelizmente, é também aquele mais mal conhecido, divulgado e fiscalizado. 
Mas há que ter consciência que existe duas realidades: uma do legislador que se encontra na cidade e outra bem diferente do comum cidadão das comunidades locais. Entretanto, quando se pensava que o indivíduo menos sensibilizado para as questões ambientais seria, por exemplo, o pescador eis que ele nos surpreende. Na sua simplicidade de homem do mar e, apesar das dificuldades para conseguir o sustento, luta pela conservação de outras espécies. 

Este pescador que tem dificuldades em conservar a sua própria espécie faz vigília nas praias para evitar o roubo de ovos e matança das tartarugas, decide parar de caçar cagarras nos ilhéus. Cria associações que recebem prémios internacionais pelo seu papel na conservação das tartarugas, como é o caso da Associação Comunitária Nova Experiência Marítima da Cruzinha (Santo Antão). E o que faz o legislador? 

Estabelece regimes jurídicos como o Decreto-lei N.º 29/2006 que dispensa a Avaliação do Impacto Ambiental (AIA) dos projectos susceptíveis de produzirem efeitos no ambiente e decreta que “em casos excepcionais e devidamente fundamentados, um projecto específico, público ou privado, pode, por despacho do membro do Governo responsável da área do Ambiente, ser dispensado AIA”

Subterfúgio?

Claro que não se espera que na construção de todo e qualquer pequeno empreendimento seja necessário uma AIA, mas até que ponto este subterfúgio está sendo usado para validar iniciativas que estão a mostrarem-se nocivos para Cabo Verde? É nesta questão que vários especialistas alertam que é necessário reforçar e melhorar o quadro jurídico num país com deficiente capacidade de fiscalização como o nosso. 

Mas é preciso coragem para planear e ordenar o território de forma compatível com os objectivos da conservação. É preciso coragem e visão para impedir a construção de um gigantesco hotel num determinado local quando se sabe que este provocará a destruição das dunas e a não re-alimentação das praias com areia e com isso comprometer-se o futuro do próprio turismo numa ilha ou país. 

Há certas acções em Cabo Verde que fazem lembrar o ditado “arranjar com as mãos e estragar com os pés”. Só assim se entende que façamos campanha para sensibilizar comunidades locais para protegerem as tartarugas e por outro lado constroem-se empreendimentos gigantescos na Boa Vista e Sal que provocam a diminuição da nidificação destas mesmas tartarugas. 

Só assim se entende que constrói-se a estrada asfaltada Baía-Calhau [São Vicente] que dá acesso a lindas praias e vulcões extintos e ao mesmo tempo a extracção de jorra nesses mesmos vulcões não é controlada e corre-se o risco de perder-se esse património ambiental e turístico. 


Sustentabilidade Social

Na área empresarial é preciso criar a responsabilidade social das empresas, seja de forma voluntária ou por contrato. Empresas de telecomunicações que noticiam um parque de contratos de telemóveis com números superiores a 300 mil assinaturas têm que, necessariamente, estar envolvidas na procura de soluções no momento de descartar esses telemóveis com suas baterias altamente poluentes. 

Responsabilidade social também para os comerciantes chineses que importam milhares de toneladas de materiais plásticos anualmente num país onde a eliminação do lixo é feita através de incêndios a céu aberto ou aterro, que são outras formas de agressão ao nosso meio ambiente. Idem aspa para os barcos chineses que estão na CABNAVE e que volta e meia derramam óleos poluentes na praia da Laginha, no Mindelo. Idem aspa para vários outros casos. 

Se, inicialmente, a administração dos recursos naturais era feita pelas comunidades locais, hoje conheceu uma grande mudança e agora estão sob a tutela de novos actores de gestão ambiental como corporações económicas, proprietários locais ou o Estado. A grande questão é até que ponto isto melhorou a qualidade de vida dessas localidades. 

Por isso que como cidadãos temos que estar conscientes do papel e desafios do ambiente para um desenvolvimento económico e social sustentável. Mas esta sustentabilidade só é conseguida trabalhando com as comunidades locais no presente sempre com visão nas gerações futuras e apostando na cidadania ambiental. É ver o ambiente como uma oportunidade de recurso que pode ser gerida pela comunidade local e não como um constrangimento. 

Uma das grandes apostas para melhorar este cenário é tornar o jornalista num sujeito actuante na resolução da problemática ambiental, incentivando para a criação de uma estratégia de comunicação que traga temas ambientais para as primeiras páginas dos noticiários. Porque, um jornalista com “paixão ambiental” estará na linha da frente para reportar, por exemplo, casos de apanha da areia e construção de edifícios na orla marítima, causadores de grandes impactos no ambiente e, consequentemente, na economia. 

Ao contrário do que possa parecer, esta não é uma crónica ambiental mas sim económica e política. Não é um discurso de conservador mas sim de consumidor que encara o “Capital Natural” como condição prévia de crescimento económico e social de Cabo Verde. 

OBS: texto publicado também no jornal A NAÇÃO Nº 227



Odair Varela é jornalista no jornal A NAÇÃO em Cabo Verde (na ilha de São Vicente) e também autor do blog: daivarela.blogspot.com 

terça-feira, dezembro 13, 2011

Descobrindo a caboverdianidade

Nos meus tempos de estudante no Brasil, eu era constantemente confrontado com duas perguntas:
-De onde és? - Cabo Verde.
-Onde fica? - Fica... na África... mais ou menos... no oceano atlântico... perto da ilhas canárias... "tubeteava".
Num primeiro momento o meu sentimento foi de estranheza e incredulidade.
Seria  possível que eu  tinha vergonha de ser africano?
"Abö é preto móss!" pensava.
Mas não  me sentia africano e muito menos europeu.
Qual era então a minha identidade?...O que dizem os historiadores?

Luís M. de Sousa Peixeira nos diz que em razão das condições adversas os escravos e os colonos  não podiam sobreviver independente um do outro. Estavam enfiados no mesmo barco e a sua sobrevivência dependia desta união. Esta convivência forçada, segundo Peixeira, deu origem á mestiçagem e forjou um sentimento de lealdade que, aliado a uma cultura partilhada, produziu uma nova identidade, a  caboverdianidade.

Gabriel Mariano reitera que em Cabo Verde a mestiçagem cessou os vínculos étnicos com as terras distantes e nos  proporcionou uma qualidade singular - "O mestiço estaria impregnado de uma vocação de quebrar a rigidez e a agressividade dos ritos de convívio social."

Tínhamos conseguido (para poder sobreviver) conciliar a  diversidade de elementos étnico-culturais, aparentemente conflitantes, numa única categoria, a cultura cabo verdiana.

O Prof. Artur M. Bento resume:
 "A identidade cabo verdiana é produto de reelaborações das diversas identidades em contacto e, por isso, não há entre os cabo verdianos a reivindicação de uma raiz étnica, mas sim, a afirmação de valores colectivos(...) Cabo Verde deixa de ser uma prisão de escravos e refugio de brancos degradados para se constituir na nova pátria".

Eu devia lealdade, não aos africanos e tampouco aos europeus, mas sim, a esta nova pátria, a Cabo Verde. Eu era o produto "bem sucedido" do encontro do português com o africano, eu era um  claridoso.

Escusado dizer que esta minha "redescoberta" não se traduziu numa melhor transmissão da minha origem aos brasileiros. O que me levou a adoptar uma resposta padrão.

- De onde és? - Sou africano
- De onde na África? - Cabo Verde



Nuno Kaunda


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